domingo, 19 de abril de 2009

A lembrança que não se apaga


“The fact that you’re still willing just shows how deep your love goes. That’s the gift I’m taking from you.” É assim que termina a história de amor de Rafi (Uma Thurman) e Dave (Bryan Greenberg), no filme Terapia do Amor (Prime, Estados Unidos, 2005). Na cena, os dois discutiam sobre o futuro do seu relacionamento. Dave, um garoto de apenas 23 anos, talvez não pudesse dar a Rafi, uma experiente e madura mulher de 37, o que ela gostaria de ter: filhos. Não porque ele não fosse saudável o suficiente ou porque não quisesse tê-los; pelo contrário: seu amor por Rafi seria capaz de dar a ela o maior presente que uma mulher pode receber. Ele estava inteiramente disposto a isso. O ponto é que Dave tinha muito para aprender e viver. E ela não confiscaria dele o direito de experimentar outros relacionamentos. Além disso, o abismo etário entre os dois poderia pesar durante o casamento. Rafi tinha uma vida estável e independente. E Dave estava só começando; mal havia saído da casa dos avós, com quem morava. E ainda adorava jogar videogame. (Qualquer semelhança com a canção Eduardo e Mônica, do Legião Urbana, não é mera coincidência.)

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O aparente fracasso das tentativas de Rafi e Dave não significa que um relacionamento entre duas pessoas — sejam elas de diferentes gerações ou não — possa dar errado. Ocorre que, hoje, tanto homens quanto mulheres têm medo de assumir os riscos de uma vida conjugal antes dos 30. Priorizam a carreira e deixam de viver grandes paixões. Ou então vivem romances-relâmpago em bares e boates. Querem se estabilizar profissional e emocionalmente para então buscar uma relação amorosa. E isso não deixa de estar certo. “O amor nem sempre é o bastante. Não quando se fala em casamento, filhos e contas conjuntas”, diria Lisa Metzger, mãe de Dave, interpretada pela talentosa e adorável Meryl Streep.

De fato, ninguém espera que aprendamos isso aos 19, aos 23 ou aos 27 anos. Aliás, parece que quanto mais lemos ou ouvimos falar sobre os mistérios do amor cada vez mais dúvidas despontam. A questão que se impõe é: por quanto tempo é possível adiar o amor? Será que temos controle sobre nossas emoções? Como evitar a paixão, que não escolhe a ocasião — nem a idade — certa para acontecer? Como lutar contra os sentimentos, que nos impelem a mergulhar de cabeça no sonho do amor ainda que a vida adulta exija de nós uma postura racional, pragmática e madura? Será que vale a pena questionar o coração?

Perguntas infindáveis... Talvez seja melhor que estejamos formados na faculdade, que tenhamos um emprego fixo e que já tenhamos acumulado experiências suficientes (que nos sirvam de parâmetro para avaliar aquilo que realmente queremos) para então evitar erros de cálculo. A paixão, porém, não concorda com isso. Ela se manifesta de qualquer maneira. Não está nem aí para o nosso lado racional; quer invadir nossas mentes e corações e nos arrebatar com sua fúria, seja em plena terça-feira chuvosa, na estação de metrô, ou no meio de um TCC. E, sinceramente, seria crueldade resistir a ela. Nem que mais adiante a gente se machuque. Porque só assim teremos a certeza de que estamos vivos. Pra valer. Whatever it takes.

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Ironicamente, o destino preparou uma surpresa para o casal do filme. Um ano depois do rompimento, Dave volta ao restaurante onde esquecera seu chapéu. Ao abrir a porta, vê Rafi sentada à mesa com alguns amigos. Com receio de que ela o visse, precipita-se para fora dali. Como seu coração não lhe deixasse em paz, Dave volta. Espiando-a através da janela, o rapaz parece captar a atenção de Rafi, que lhe devolve o olhar. E então, com a cumplicidade daquele tácito instante, os dois começam a lembrar os momentos que viveram lado a lado, embora saibam que nunca mais viverão aquilo tudo novamente. São as memórias mais doces e ingênuas de um passado que ficou refugiado no mais recôndito canto de suas almas.

Quando dão um ponto final às histórias de amor, muitas pessoas cometem o pior erro: acabam alimentando um ódio que as faz esquecer todos os lances felizes que tiveram juntas. Automaticamente esquecem o que foi desfrutado e passam a sofrer por suas projeções irrealizadas. Quanta besteira! Perdemos um tempo precioso nessa ruminação que não nos leva a lugar algum. Será, afinal, tão difícil evitar amarguras e ressentimentos? Sei que não é possível se furtar à dor e à tristeza acarretadas pelo término de um namoro ou de um casamento. Elas até são necessárias. Mas o poeta Carlos Drummond de Andrade já nos advertiu certa vez ao escrever: “A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.”

Por que não dar ao fim de um relacionamento a mesma impressão poética que deixamos no primeiro encontro? Disse, no primeiro parágrafo, que a história de Rafi e Dave havia terminado. Talvez não. Talvez o reencontro inesperado naquele restaurante tenha sido apenas mais um dos estágios do seu amor. Acaba a relação, mas o sentimento permanece. Como uma gostosa — e inolvidável — lembrança na memória.

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