terça-feira, 23 de junho de 2009

Realidade com tempero de ficção


Livro mostra que o texto em revista pode — e deve — flertar com a literatura, mas sem jamais perder o caráter informativo que norteia o fazer jornalístico.

Qual a diferença entre jornalismo e literatura? A notícia de jornal está muito distante da reportagem de revista? Como é possível ganhar em técnica sem perder em estilo? São respostas a perguntas como essas que emergem de O estilo magazine: o texto em revista (Summus; 129 páginas; 31 reais), do jornalista e professor Sergio Vilas Boas. Ao descrever e esmiuçar as técnicas da escrita em revista, o autor ensina a conciliar jornalismo e literatura.

O livro prova que o estilo magazine não tem espaço só nas revistas. Nos cadernos culturais de Zero Hora, assim como nos suplementos dominicais da Folha de S.Paulo, por exemplo, é perfeitamente possível deparar com um texto mais solto e criativo, livre das amarras impostas pelo lead e pela hard news. Vilas Boas tece um paralelo entre as “gramáticas próprias” do jornal diário (informativo) e da revista semanal (interpretativa).

O autor também recupera o histórico do New Journalism, gênero expoente na imprensa americana na década de 60. É o que se pode chamar de jornalismo literário, uma vertente que enxerga — e narra — a realidade a partir de uma perspectiva mais subjetiva: a observação participante do repórter. Mas Vilas Boas faz as devidas distinções entre as linguagens de uma reportagem e de um romance: “Um texto jornalístico deve se confortar nos limites do verificável. A suprarrealidade não interessa ao jornalismo”, escreve.

Ao longo da obra, Vilas Boas analisa o perfil de revistas aclamadas pelo público, como as extintas Realidade, Manchete e O Cruzeiro — que, através de suas grandes reportagens, consagraram o gênero magazine no Brasil. O terceiro capítulo traz excertos de matérias publicadas pela Veja e pela IstoÉ, herdeiras da tradição iniciada décadas atrás. Por meio de exemplos, detalha sugestões e salienta nuances do texto impresso, mostrando ao leitor outras possibilidades de escrita, em geral pouco abordadas nos cursos universitários.

Realizada na Unisinos no último dia 4, a palestra da jornalista Eliane Brum sintetiza e complementa as ideias de Sergio Vilas Boas. A repórter especial da revista Época acredita em um jornalismo sensível e humano, atento aos diferentes ângulos de uma mesma realidade.

Eliane, assim como o autor de O estilo magazine, é crítica de um jornalismo robótico, que engendra “aplicadores de aspas em série”. Vilas Boas segue seu pensamento. Prega a elegância, a criatividade, a sedução. Pudera. Ele é co-fundador da Academia Brasileira de Jornalismo Literário (ABJL), em atividade desde dezembro de 2004.

O livro não encerra a discussão em torno do estilo magazine; pelo contrário, amplia-a. Enquanto isso, revistas como Piauí e Caros Amigos apostam nessa fórmula, há tempos esquecida pelo pragmatismo que tomou conta das redações brasileiras nas últimas décadas.

Escrito numa linguagem clara e didática, o texto de Sergio Vilas Boas dialoga com o leitor. Nem por isso a obra perde sua consistência acadêmica, sendo uma verdadeira lição para estudantes e pesqui-sadores da área de comunicação.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Homem na medida certa?


A professora de francês nos dá uma tarefa um tanto quanto delicada, ainda mais em véspera de Dia dos Namorados: redigir um pequeno ensaio sobre aquilo que buscamos em alguém. Deve ser conjunção astral, coincidência, destino ou raio que o parta: era exatamente sobre “l’homme de ma vie” que tratava a lição do livro em que estávamos. Pois bem. Cumpri minha tarefa, exatamente agora, às 5h da matina — sendo que a comecei às 22h. É mole? Poxa, pensar — e, o que é pior, escrever — a respeito do homem da minha vida não é fácil. Ainda mais se tiver de ser em francês. De qualquer forma, adorei o desafio. O resultado — Le portrait de l’homme idéal — pode ser conferido no blog Le Moulin à Paroles, mantido pela minha turma do Unilínguas.

Na mesma sintonia desse texto, está a reportagem Um homem na medida certa, publicada na 11ª edição Babélia, jornal experimental dos alunos dos cursos de Comunicação da Unisinos. Depois de um levantamento feito pelo câmpus da universidade no mês de maio, minha equipe de reportagem descobriu a preferência das universitárias em relação ao perfil masculino desejado. E não restam dúvidas: 47% delas querem o neossexual, um homem cuja principal característica é resgatar antigos valores da masculinidade sem perder a sensibilidade. O cara que não perde o instinto de macho caçador, mas que se permite comportamentos sensíveis.

Quanto a mim, não poderia afirmá-lo com tanta certeza. Afinal, nunca acreditei em fórmulas mágicas. Até pouco tempo atrás, meu boyfriend criteria não estava claro. Não sabia o que realmente buscava em um cara. Depois de tantas divagações, porém, parece que a imagem do homem ideal me está mais palpável. Infelizmente eu não o encontrei ainda. Pra dizer a verdade, nem sei se de fato ele existe — do contrário não seria chamado de “ideal”. Apesar de a realidade aí fora ser bem desanimadora, insistimos em acreditar nele. Mas que fique claro: o sujeito dos seus sonhos obviamente não descerá do Céu, materializado na figura de um arcanjo renascentista. Todos os homens têm lá os seus defeitos; é preciso saber escolher o essencial dentre todos os aspectos — positivos e negativos — que eles oferecem.

Pelo visto, ainda serão necessários anos e anos de estudos e explicações para encontrar aquilo que nós clamamos há séculos: o cara perfeito, que esteja à altura das nossas necessidades. Tarefa difícil, a considerar que sempre divergimos quanto às qualidades que deve apresentar. Ele pode até não existir tal como manda o protocolo. Mas sempre haverá um bendito rapaz que se aproxima dos nossos anseios. O ideal, mesmo, seria um homem com a força de Sansão, o espírito festeiro de Baco e a sabedoria de Sócrates — tudo isso num corpinho de Apolo! Esse, sim, seria hors concours. Do balacobaco.

* * *

A canção Je cherche un homme, da cantora americana Eartha Kitt, vale uma conferida. Ela estabelece um diálogo perfeito com o que foi dito até agora. Além da melodia elegante (bem ao estilo tradicional da chanson française), a letra é deliciosamente engraçada e repleta de trocadilhos. Check it out!

quinta-feira, 11 de junho de 2009

9 razões para um coração solitário


A iminência do Dia dos Namorados não me assusta, mas incomoda. Apesar de saber que se trata de uma data puramente comercial, não consigo ficar indiferente a ela. Estar sozinho dói. Me sinto levemente deprimido, envolto na mais pura melancolia. Uma solidão que nem a companhia dos amigos é capaz de aplacar. Um vazio profundo que, ironicamente, me acompanha e conforta. Esse dito alívio, porém, ocorre mais em função da comodidade de não agir do que pelo real alento que a escuridão me traz.

De qualquer forma, é 12 de junho. Preciso me enfrentar. E eis que é chegado o momento de ponderar sobre os motivos que, afinal, me mantém preso às garras da minha própria solteirice:

1) Espero demais da outra pessoa. Tento encontrar um molde preconcebido e facilmente me frustro por não ser capaz de detectá-lo em meio à multidão. Embora eu saiba que perfeição não existe, que as pessoas são diferentes umas das outras e blá, blá, blá, não abro mão da satisfação completa dos meus sonhos e desejos. Não é o desespero que me fará agarrar qualquer coisa que me vier pela frente. Estabeleço exigências como todo mundo, até porque as pessoas esperam — e exigem — demais de mim. E isso nada mais é do que uma contrarresposta. Então me sinto menos culpado.

2) Sou muito temperamental. Eu me vejo como uma pessoa muito complicada. Um emaranhado de definições e imprecisões. Chato e insistente. Doce e ao mesmo tempo azedo. Receptivo e fechado, apesar do paradoxo. Minha mãe costuma dizer que eu corto as pessoas como se fossem inço. Discordo. Diria que procuro evitá-las, isso sim. Deixo de responder recados, bloqueio-as no MSN, torno a falar com elas, desapareço por uns tempos e depois volto à superfície. Minha disposição — isto é, o ânimo ou a falta dele — varia conforme meu humor. Mudo constantemente de ideia, me deixo deprimir. Subo aos céus e despenco direto para o inferno (geralmente com uma escala no planeta Terra).

3) Tenho hábitos de solteirona. Namorar exige desprendimento, atenção, troca de elogios e lembrancinhas, disposição para discutir e depois fazer as pazes... Dizem que não há nada melhor do que ter alguém ao lado, enrolado nos cobertores num dia de chuva, enquanto se assiste a um filme. Que coisa mais cafona! (Confesso que adoraria fazê-lo se estivesse comprometido com alguém.) Mas acho que comigo não daria certo. Detesto interrupções durante a sessão. Comentários, pausas, reclamações. Interrupções, mesmo, só se forem minhas: gosto de parar o filme, tomar nota do vocabulário novo, transcrever passagens, retroceder e avançar. Egoísmo justificado. É isso que dá passar meses — e anos! — solteiro. A gente cria hábitos bizarros, o que pode ser incômodo quando voltarmos a nos relacionar com alguém.

4) Não abro mão da minha individualidade. Você corre a semana inteira e então chega o final de semana. Beleza! Salvo aqueles que possuem a dádiva de não trabalhar aos sábados, só lhe resta o domingo para ficar de pernas pro ar — ou então terminar aquele bendito trabalho de faculdade. Mas o que poderia ser o paraíso na Terra se torna o inferno no Céu. É a tal da “obrigação” de encontrar a pessoa amada: tomar aquele banho, perfumar-se todo, vestir a melhor roupa e ir ao encontro dela. Quanta função! No fundo, não gostaria de abrir mão do meu único momento a sós para cumprir esse dever do namoro. Há coisa melhor do que esticar os pés numa rede ou andar feito mendigo pela casa? Nada de beijinhos e carinhos e afagos e abraços. Só você e mais ninguém. (Desconfio de que esse item esteja intimamente ligado ao anterior. E isso não é mera coincidência.)

5) Sinto ciúmes. Geralmente me controlo. Confio no meu taco, dou uma de gostoso e faço carão de “tô-nem-aí”. Mas não adianta. Ele insiste em me invadir, corroendo minhas entranhas com seu veneno, e me faz sentir espasmos no estômago. Não, não. Não tenho culhão para aguentar o ciúme. Aquele ex-namorado? Aquele contato d’Orkut? O colega garanhão do trabalho? O galã da faculdade? Exijo distância! Errado? Totalmente. A atitude mais acertada e madura seria encará-los numa boa. Quem sabe até conviver com eles, no máximo que nos permite o nosso cinismo civilizado. Mas quem disse que esse sentimento é racional? Sem contar o ciúme que tenho das minhas coisas. Não divido nada. Escova de dente, livro, computador, roupa. Nadinha.

6) Sou “intenso demais”. Você entendeu? Pois é, nem eu. Mas é esta a principal explicação deles para justificar o rompimento. Talvez estejam certos. Costumo me entregar de corpo e alma. Me revelo nu desde o início — o que não significa, é claro, que eu vá para a cama no primeiro encontro. “Nu”, aqui, só no sentido figurado. Me mostro da maneira mais natural e honesta possível. Abro meus sentimentos, expresso o que penso e sinto, descubro o manto que me envolve e protege. Evito tergiversações, rodeios, joguinhos de conquista. Vou direto ao que interessa. I’m straightforward. Além do mais, procuro degustar cada momento com o máximo de intensidade. Certa vez, disse que gostaria de amar em grandes goles. “Quero amor que afoga, quero amor em grandes golfadas”, escrevi. Exagero talvez? Pode até ser. Mas obviamente não forço a barra. Ele não procura isso, não se sente à vontade comigo? A porta está aberta. Não sou viúva-negra.

7) Demonstro inteligência. E isso intimida as pessoas. O cara conversa com você, percebe o tom e o conteúdo da sua conversa e foge. Desaparece. Torna-se um grão de ervilha num campo de soja. Talvez eu funcione ao revés. Para mim, inteligência é uma baita qualidade. É, aliás, um dos critérios que levo em consideração na hora da escolha de um pretendente. Gosto de me sentir intelectualmente desafiado. No entanto, o preenchimento desse quesito não parece ser condição sine qua non para muita gente. Elas buscam a cereja do bolo, o abdômen bem trabalhado, o tanque de lavar roupa, o rostinho apolíneo. Divagações acerca da efemeridade da vida? Soluções para o aquecimento global? Que nada. “Eu só penso em beijar.”

8) Sou mão-de-vaca. Você dá um duro danado, acorda cedo num sábado de manhã, trabalha um mês inteiro e recebe o merecido (e sempre insuficiente) salário. Então chegam as datas comemorativas e, junto com elas, a obrigação presentear. Sair para jantar. Pegar um cineminha e dar uma de cavalheiro. Ora bolas! Gastar, gastar, gastar. A vida de solteiro ensina a economizar. Se for para comprar um novo par de sapatos — ou uma camisa nova —, tudo bem. Desde que seja para mim.

9) Moro na cidade errada. Definitivamente a geografia não me favorece. Cidade pequena não oferece muitas opções de entretenimento e, consequentemente, a gama de partidos interessantes — e disponíveis, frise-se — diminui.

Sim, eu sou uma pessoa solitária. E solteira. Por quanto tempo permanecerei nesse estado? Só Deus sabe. Enquanto isso, convido São Valentim para um café e ouço a prece de Clarice Lispector:

“Meu Deus, me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. (...) Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.”

Feliz Dia dos Namorados!

terça-feira, 2 de junho de 2009

Silencio, no hay banda!


Eu lutei para sair da cama. Não queria deixar meu ninho quente e envolvente, que parecia engolfar minha alma. Mas levantei. Eram 7h15min e o sol lá fora já dava tímidos sinais de vida. Aqui dentro, tudo escuro. Meu corpo estava lânguido, minha cabeça girava num torvelinho desajustado, repleto de pensamentos negativos. Nada parecia fazer sentido; irritava-me com as pessoas e sua felicidade aparente. Desejava não ser visto. Preferia ser ignorado e esquecido. Alimentava a sensação de ocupar um espaço desnecessário.

Ao me olhar no espelho naquela manhã, tive vontade de chorar. Não possuía forças para tornar meu rosto mais apreciável e menos disforme. Me cansava. Entrar debaixo do chuveiro e lavar cada pedaço meu exigia forças descomunais de mim. Me repulsava sentir a água rolando, insistente. Queria deitar, apenas deitar, e jamais acordar. Mas nem mesmo no universo onírico encontrava um seguro refúgio: meus sonhos eram demasiado densos e difusos.

No fundo, nada me despertava uma ânsia de viver. A simples ideia de me arrumar para o trabalho, por exemplo, tomava todas as minhas energias. Não suportava mais sorrir para os alunos, não sentia mais prazer em dar aula. Detestava ter de ir à faculdade todas as noites, odiava ter de encontrar aquela gente falsamente realizada. Além disso, angustiava-me o fato de estar preso a uma vida regrada demais, rotineira demais, previsível demais. Desejava não ser o exemplo. Não pretendia ser requisitado, não queria ser impelido a mentir que a vida vai bem, obrigado!, não queria mais. No fim das contas, acordar e viver diariamente me exigia tanto que, ao voltar para casa, me sentia imprestável. Tinha preguiça de falar, de articular sons pela boca; preferia calar e sofrer em silêncio.

Não aguentava mais ser alguém que eu odiava. Queria sangrar, apenas sangrar.

 

Hoje? Não mais.