sábado, 25 de abril de 2009

O inesperado encontro

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Estou sem palavras. Tanto é que nem ao menos sei como começar este texto. Pois acabo de voltar do restaurante onde jantei com ninguém menos do que Mauricio de Sousa, o criador da Turma da Mônica. É até mesmo engraçado escrever o nome dele aqui. Nunca, em toda a minha vida, pensei que estaria jantando com o autor das histórias que tanto me fascinaram na infância. Os gibis eram meus companheiros. Guardo-os todos até hoje. Tomei gosto pela leitura graças a eles. Foram os quadrinhos que me abriram as portas para os livros, mais densos e intricados. Posso afirmar, sem sombra de dúvida, que boa parte da minha formação intelectual e moral veio da Turma. Sem ela, talvez, eu não teria criado o hábito de ler. De maneira que não veria graça nenhuma em escrever. E, por consequência, não teria escolhido o curso de Jornalismo.

Antes do jantar (o que não constava dos meus planos), Mauricio me recebeu carinhosamente no hotel onde estava hospedado, em Sapiranga, para uma breve entrevista. Ele revelou o segredo do sucesso da Turminha e falou sobre as novas experimentações com a Turma Jovem. Meu fascínio por estar diante de um dos cartunistas mais famosos do Brasil me fez perder a noção do tempo. Felizmente meu nervosismo inicial foi cedendo espaço a uma tranquilidade que fez da entrevista uma conversa informal entre dois amigos.

O pai da Mônica, do Cebolinha e de toda a Patota (como era conhecida a Turma nos anos 70) é uma pessoa extremamente cordial. Fala de mansinho, não perde o foco e surpreende com as respostas. Ao contrário do que muitos devem pensar, Mauricio é acessível. Tem notoriedade, mas não deixa de sorrir e atender a cada um de seus fãs — da criançada até os quarentões saudosistas.

Confesso que descolei o encontro com Mauricio por pura coincidência cósmica. Havia passado a semana inteira em Novo Hamburgo, de maneira que estava por fora da programação da XVII Feira do Livro de Sapiranga. Quando cheguei à cidade pela manhã de sexta-feira (24), recebi o panfleto que anunciava um bate-papo com o cartunista, seguido de uma sessão de autógrafos. Pimba! Era disso que eu precisava. Um evento e a oportunidade ideal para entrevistar uma sumidade. Se ao menos eu tivesse tido tempo para me preparar...

Fui correndo até o Parque do Imigrante, que sedia a Feira até o fim da tarde de hoje. Não seria fácil. Centenas de crianças e adultos amontoavam-se para ouvir Mauricio de Sousa falar. Eram 14h35min. Havia muitos obstáculos a superar. Além disso, eu teria de encontrar a assessoria do cartunista para chegar até ele. “A coletiva foi hoje de manhã”, disse-me uma das organizadoras do evento. “Eu sei”, menti. “Mas gostaria de marcar uma entrevista exclusiva para a Rádio Unisinos.” Meu professor Sérgio Endler que me perdoe, mas seria difícil convencer a cara feia da mulher se eu dissesse que estava cumprindo uma pauta para a disciplina de Radiojornalismo. Dizer que era estudante do curso não iria me ajudar. Mais uma vez, o truque. O mesmo que funcionou para a reportagem anterior. Só que, dessa vez, eu estava lá apenas para conseguir uma sonora para ilustrar meu boletim radiofônico. Não precisaria mais do que 5 minutos de áudio.

Consegui entrar na sala de autógrafos. Para minha surpresa, fui entrevistado pelo Jornal NH, que fazia a cobertura da Feira do Livro. Flashes aqui, sorrisinhos ali, tumulto, um entra-e-sai de pessoas. O cartunista autografou alguns raros e antigos exemplares da Turma da Mônica que eu trouxera. (Confesso que premeditei a cena antes de sair de casa.) Minha entrevista teria de esperar, a fila de autógrafos era longa. Mas tudo bem: já estava com o telefone do assessor de Mauricio em mãos. Bastava ligar mais tarde e, com sorte, encontrar o homem disponível.

“De quanto tempo você precisa?”, perguntou-me o assessor, quando finalmente falamos ao telefone. “Não mais do que 10 ou 15 minutos”, prometi. Eis que às 20h30min esperava Mauricio na recepção do Hotel das Rosas, conforme combinado.

A promessa não foi cumprida — não por falta de palavra do repórter, mas porque o entrevistado soltou o verbo (para a alegria de todos nós). O que estava programado para durar pouco tempo acabou se estendendo por mais de três deliciosas horas, mais da metade delas passadas dentro de uma pizzaria, a convite do próprio Mauricio. Durante o jantar, o cartunista revelou seus novos projetos, além de ter recordado as memórias da infância e do pai, Antônio. (Não tenho dúvidas, agora, de que a comida é um grande estímulo à conversa.)

O essencial vocês já sabem. E saberão com detalhes quando o boletim e a reportagem ficarem prontos. Também prometo transcrever, na íntegra, a entrevista para o deleite dos fãs da Turma da Mônica. As revelações de Mauricio vão encantar e surpreender os leitores!

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É... Quem diria. Não é sempre que pessoas famosas resolvem aparecer em nossa cidade. E com muito menos frequência elas nos convidam para jantar. Mauricio de Sousa é uma delas. Já alimentava grande admiração por ele e por suas histórias quando eu ainda era um garotinho. Hoje, tendo-o conhecido pessoalmente, essa admiração só aumenta. Afinal, ele criou um universo que vem encantando gerações há mais de 50 anos. Uma proeza e tanto. Esse é Mauricio de Sousa. O mesmo cara que estava sentado ao meu lado na mesa do restaurante.

domingo, 19 de abril de 2009

A lembrança que não se apaga


“The fact that you’re still willing just shows how deep your love goes. That’s the gift I’m taking from you.” É assim que termina a história de amor de Rafi (Uma Thurman) e Dave (Bryan Greenberg), no filme Terapia do Amor (Prime, Estados Unidos, 2005). Na cena, os dois discutiam sobre o futuro do seu relacionamento. Dave, um garoto de apenas 23 anos, talvez não pudesse dar a Rafi, uma experiente e madura mulher de 37, o que ela gostaria de ter: filhos. Não porque ele não fosse saudável o suficiente ou porque não quisesse tê-los; pelo contrário: seu amor por Rafi seria capaz de dar a ela o maior presente que uma mulher pode receber. Ele estava inteiramente disposto a isso. O ponto é que Dave tinha muito para aprender e viver. E ela não confiscaria dele o direito de experimentar outros relacionamentos. Além disso, o abismo etário entre os dois poderia pesar durante o casamento. Rafi tinha uma vida estável e independente. E Dave estava só começando; mal havia saído da casa dos avós, com quem morava. E ainda adorava jogar videogame. (Qualquer semelhança com a canção Eduardo e Mônica, do Legião Urbana, não é mera coincidência.)

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O aparente fracasso das tentativas de Rafi e Dave não significa que um relacionamento entre duas pessoas — sejam elas de diferentes gerações ou não — possa dar errado. Ocorre que, hoje, tanto homens quanto mulheres têm medo de assumir os riscos de uma vida conjugal antes dos 30. Priorizam a carreira e deixam de viver grandes paixões. Ou então vivem romances-relâmpago em bares e boates. Querem se estabilizar profissional e emocionalmente para então buscar uma relação amorosa. E isso não deixa de estar certo. “O amor nem sempre é o bastante. Não quando se fala em casamento, filhos e contas conjuntas”, diria Lisa Metzger, mãe de Dave, interpretada pela talentosa e adorável Meryl Streep.

De fato, ninguém espera que aprendamos isso aos 19, aos 23 ou aos 27 anos. Aliás, parece que quanto mais lemos ou ouvimos falar sobre os mistérios do amor cada vez mais dúvidas despontam. A questão que se impõe é: por quanto tempo é possível adiar o amor? Será que temos controle sobre nossas emoções? Como evitar a paixão, que não escolhe a ocasião — nem a idade — certa para acontecer? Como lutar contra os sentimentos, que nos impelem a mergulhar de cabeça no sonho do amor ainda que a vida adulta exija de nós uma postura racional, pragmática e madura? Será que vale a pena questionar o coração?

Perguntas infindáveis... Talvez seja melhor que estejamos formados na faculdade, que tenhamos um emprego fixo e que já tenhamos acumulado experiências suficientes (que nos sirvam de parâmetro para avaliar aquilo que realmente queremos) para então evitar erros de cálculo. A paixão, porém, não concorda com isso. Ela se manifesta de qualquer maneira. Não está nem aí para o nosso lado racional; quer invadir nossas mentes e corações e nos arrebatar com sua fúria, seja em plena terça-feira chuvosa, na estação de metrô, ou no meio de um TCC. E, sinceramente, seria crueldade resistir a ela. Nem que mais adiante a gente se machuque. Porque só assim teremos a certeza de que estamos vivos. Pra valer. Whatever it takes.

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Ironicamente, o destino preparou uma surpresa para o casal do filme. Um ano depois do rompimento, Dave volta ao restaurante onde esquecera seu chapéu. Ao abrir a porta, vê Rafi sentada à mesa com alguns amigos. Com receio de que ela o visse, precipita-se para fora dali. Como seu coração não lhe deixasse em paz, Dave volta. Espiando-a através da janela, o rapaz parece captar a atenção de Rafi, que lhe devolve o olhar. E então, com a cumplicidade daquele tácito instante, os dois começam a lembrar os momentos que viveram lado a lado, embora saibam que nunca mais viverão aquilo tudo novamente. São as memórias mais doces e ingênuas de um passado que ficou refugiado no mais recôndito canto de suas almas.

Quando dão um ponto final às histórias de amor, muitas pessoas cometem o pior erro: acabam alimentando um ódio que as faz esquecer todos os lances felizes que tiveram juntas. Automaticamente esquecem o que foi desfrutado e passam a sofrer por suas projeções irrealizadas. Quanta besteira! Perdemos um tempo precioso nessa ruminação que não nos leva a lugar algum. Será, afinal, tão difícil evitar amarguras e ressentimentos? Sei que não é possível se furtar à dor e à tristeza acarretadas pelo término de um namoro ou de um casamento. Elas até são necessárias. Mas o poeta Carlos Drummond de Andrade já nos advertiu certa vez ao escrever: “A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.”

Por que não dar ao fim de um relacionamento a mesma impressão poética que deixamos no primeiro encontro? Disse, no primeiro parágrafo, que a história de Rafi e Dave havia terminado. Talvez não. Talvez o reencontro inesperado naquele restaurante tenha sido apenas mais um dos estágios do seu amor. Acaba a relação, mas o sentimento permanece. Como uma gostosa — e inolvidável — lembrança na memória.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Tudo pode ter fim

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Catarina, a personagem de Lilia Cabral na novela A Favorita, exibida pela TV Globo em 2008, representou nas telas a triste realidade de milhares de mulheres que sofrem em seus casamentos. Mãe dedicada e esposa submissa, ela abriu mão da carreira para se tornar dona de casa e sofre com as grosserias dos filhos e com o descaso, traições e indiferença do marido. Com a ajuda de amigos e familiares, Catarina finalmente toma coragem para sair de casa e vai morar com uma vizinha.

A mídia, em especial a televisão, leva para o espaço público as marcas de um drama que costuma ficar confinado entre quatro paredes. Ela abre cortinas e desperta consciências. “Durante a exibição da novela, o Centro Jacobina recebeu mais visitas”, revela Érica. “Elas se identificam com o que veem.”

Quantas mulheres podem ter um final como o de Catarina? Acabar com a violência doméstica exige uma mudança cultural mais profunda, mas é possível minimizar os registros de agressão. “Não se resolvem todos os problemas. É tudo uma questão de lidar com eles”, acredita Sandra. “É preciso lutar por políticas públicas de apoio à mulher e repressão à violência doméstica. Devemos criar uma cultura de proteção”, aposta a deputada Rosário.

Para isso, a sociedade precisa enxergar homens e mulheres como iguais. “Nossas diferenças são apenas biológicas. Queremos ser respeitadas como cidadãs”, reivindica Maria Helena Gonzalez, coordenadora da Coordenadoria Estadual da Mulher (CEM) do gabinete da governadora Yeda Crusius.

Rihannas, Catarinas, Marias. O que todas elas têm em comum? O desejo de amar e serem amadas com respeito, carinho e sinceridade. É o que ilustra a canção Maria da Penha, de Paulinho Resende e Evandro Lima, gravada pela cantora Alcione: “Bater em mulher é onda de otário. Respeito, afinal, é bom e eu gosto.”

Esses exemplos de mulheres formam parte de uma lamentável realidade, que pode — e deve — ser combatida com energia, coragem e sensibilidade. Esta deve ser uma tarefa mancomunada entre todos os atores da sociedade. Todos, sem exceção. O amor alivia, é suave e brando. Se ele machuca, não é amor.

Busque ajuda

  • Centro Jacobina (São Leopoldo)
  • R. Saldanha da Gama, 331, Centro
  • De segunda à sexta, das 9h às 17h
  • Telefone: (51) 3588-8224

Denuncie 

  • Central de Atendimento à Mulher: Ligue 180
  • Serviço 24 horas, inclusive domingos e feriados
  • Delegacia de Polícia para a Mulher (Porto Alegre)
  • Av. João Pessoa, 2050, Azenha
  • Telefone: (51) 3288-2172 (plantão)

terça-feira, 14 de abril de 2009

O silêncio que deixa feridas

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Mais alarmante do que as agressões denunciadas é saber que existem casos que não são de conhecimento da Justiça. Muitas mulheres, sob pressão de uma sociedade patriarcal, que valoriza o homem em detrimento da mulher, têm receio de entregar seu parceiro à Polícia. Consideram que tal atitude desestruturaria suas famílias em decorrência de uma iminente separação. “É uma questão cultural”, acredita a deputada gaúcha Maria do Rosário, especialista em estudos sobre violência doméstica pela Universidade de São Paulo (USP).

Apesar das conquistas feministas no último século, o divórcio ainda é visto com maus olhos. “A insegurança de se criar um filho sem pai e a total falta de opção por outra forma de vida falam mais alto do que tomar a iniciativa de ir embora”, argumenta a ex-delegada Teresinha de Carvalho. Para Rosário, trata-se da inversão do ditado popular. “Antes mal-acompanhada do que só”, avalia. A religião também exerce influência sobre suas decisões. “A frase ‘até que a morte os separe’ é um dogma inquestionável para várias mulheres”, completa Ângela.

Sentimentos muito pessoais e característicos das mulheres as impedem de tomar uma atitude. “A dependência emocional é muito forte. Elas não se reconhecem sem o parceiro”, afirma a psicóloga Érica, que trabalha no Centro Jacobina. Mesmo agredidas, o amor que nutrem pelos companheiros fala mais alto. Muitas chegam até os centros de referência e pedem para que o agressor não sofra nenhuma penalidade. “Não querem prejudicá-lo”, diz Sandra. Outras temem a perseguição do marido depois de uma possível denúncia policial.

A supremacia masculina no aspecto econômico é outro fator que contribui para calar a voz da mulher. O poder financeiro do homem torna-se uma ameaça à companheira que, em geral, não tem dinheiro para contratar um advogado. Mulheres de maior renda livram os maridos para preservar o status social. “Vergonha é o que as mantêm nesse círculo de agressões”, resume Sandra.

Além disso, a grande maioria das mulheres desconhece seus próprios direitos e intimida-se com a simples ameaça de o companheiro tomar-lhe os filhos caso procure a Polícia. “Quando não sabem que são portadoras de direitos, não buscam auxílio”, diz Ângela.

Não são poucos — nem simples — os motivos para explicar esse doloroso silêncio. Educada para ser subserviente, boa parte das mulheres se sente inferior ao homem e, em casos de violência doméstica, se anula em nome do agressor. Embora saiba os riscos que corre ao não denunciá-lo, ela procura subterfúgios para amenizar a dor. “Ele me bate, mas é honesto”, dizem algumas vítimas atendidas pelo centro de referência. Ao agir assim, as mulheres acabam cúmplices da dominação masculina, favorecendo a violência psicológica e física.
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“A decisão de denunciar é da vítima. É ela que decide o que pretende fazer de sua vida. Nosso trabalho é dar apoio, fortalecer sua identidade e informá-la dos caminhos legais a percorrer”, explica Sandra. “É importante que, ao denunciar, ela vá até o fim”, conclui. É preciso quebrar o silêncio.
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Delegacias da Mulher
A primeira delas surgiu no centro da capital paulista no ano de 1985. Desde então as DDMs se espalharam pelo país. No Brasil existem aproximadamente 340 unidades especializadas. No Rio Grande do Sul, elas estão presentes em 10 municípios. A próxima está para ser inaugurada, ainda este mês, em Erechim.
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(Termina amanhã.)

domingo, 12 de abril de 2009

Violência democrática e sem distinções


A violência doméstica não escolhe raça, idade, nível social, econômico ou cultural e não tem hora, dia ou local para acontecer. Pode ocorrer na calada da noite, entre quatro paredes, ou então em plena luz do dia, na frente da família. Ela é, como costumam dizer os especialistas, a mais democrática entre as agressões sofridas pelas mulheres. “Reflete, na verdade, a triste realidade dos desajustes de homens que não possuem infraestrutura emocional para compreender a afetividade nata da mulher que exige carinho no trato”, escreve a ex-delegada Teresinha de Carvalho, de Campinas, em artigo publicado pelo site Kplus.

Das 1.156 vítimas atendidas pelo Centro Jacobina entre setembro de 2006 e março de 2009, há desde registros de mulheres analfabetas até episódios de universitárias. Boa parte delas tem até dois filhos e professa a fé católica. Na maioria esmagadora dos casos, o agressor é o próprio companheiro. Ângela lembra que não só namorados e maridos são os algozes. “Filhos, netos e até mesmo chefes podem praticar atos de violência contra a mulher”, adverte.

O drama, como se vê, não faz distinção entre casebres e palacetes — a única diferença é que, quanto mais alto o nível socioeconômico da vítima, mais os gritos são abafados. Afinal, como é possível entender tamanha violência? Os pretextos que levam homens a perpetrar covardias são os mais banais: ciúmes, insatisfação com os trabalhos domésticos ou simplesmente vontade de agredir. Não importa. Muitas agressões são também estimuladas pelo consumo de álcool e pelo uso de drogas ilícitas. “Grande parte dos casos atendidos decorre de maridos que estavam alcoolizados quando atacaram suas companheiras”, diz Sandra.
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Os fatores socioculturais tampouco ficam de fora. “A história de vida do agressor precisa ser levada em conta. Os homens tendem a repetir o padrão paterno”, afirma a psicóloga Érica Kern Lopes. Se o homem foi criado em um contexto no qual o pai mostrava atitudes machistas, então aumentam suas chances de ter um comportamento violento no futuro.
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“Ele reproduz o que viveu e se sente no direito de violar”, acrescenta Ângela. De certa forma, o homem se vê legitimado para agredir sem culpa. Muitas vezes nem percebe que a violência passou a ser usada por ele como forma de comunicação. Em vez de falar, bate porque foi assim que aprendeu a resolver conflitos. “Há falta de diálogo. A palavra não tem mais valor”, sentencia a assistente social.
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Os tempos mudaram
No início dos anos 2000, cerca de 70% das agressões domésticas eram julgadas nos Tribunais de Pequenas Causas. A punição, em geral, era uma multa ou a doação de cestas básicas. A Lei Maria da Penha endureceu o combate ao crime. Hoje é possível ingressar com pedido de medidas protetivas de urgência, como afastar o agressor do lar e até mesmo exigir que ele mantenha distância dela e dos filhos. A nova lei permite, inclusive, que o autor das agressões seja preso em flagrante ou tenha a prisão preventiva decretada. Com o aumento da tecnologia, também mudou o perfil do agressor. “Agora, ele ameaça publicar fotos obscenas da parceira na internet”, diz a delegada Nadine Anflor.
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(Continua amanhã.)

sábado, 11 de abril de 2009

O amor que machuca

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A cada 15 segundos, uma mulher é espancada no Brasil. O mais assustador é que elas são agredidas dentro de casa, pelos próprios companheiros. Muitas delas optam pelo silêncio e não denunciam seus agressores. Outras, no entanto, tomam coragem — muitas vezes motivadas por seus familiares e amigos — e resolvem dar um ponto final às histórias de violência doméstica.
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Na manhã de 8 de fevereiro, a cantora americana Rihanna cancelou sua apresentação na 51ª cerimônia do Grammy Awards, em Los Angeles, nos Estados Unidos, marcada para acontecer naquela noite. Motivo: Rihanna havia sido agredida pelo namorado, o rapper americano Chris Brown. Depois de pagar uma fiança de US$ 50 mil, Brown foi liberado pela Polícia. Ele deve comparecer a uma audiência neste mês — e pode ser condenado a até 5 anos de prisão por violência doméstica, crime considerado hediondo nos Estados Unidos.

Casos como esse chamam a atenção porque remetem a todas as mulheres (famosas ou anônimas) que são vítimas do flagelo da agressão — física, sexual ou psicológica — por parte de seus companheiros. Algumas delas, como Rihanna, rompem o silêncio e tentam sair do ciclo de violência a que estão submetidas. Outras, porém, preferem esconder um olho roxo a denunciar o agressor.

No Brasil, no ano de 2008, foram registrados 254 mil relatos de agressões contra mulheres, segundo dados da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), órgão ligado ao governo federal. Os números crescem em comparação com anos anteriores. As ligações para a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) tiveram um aumento de 32% em relação a 2007. O serviço, criado pela SPM, funciona como um disque-denúncia que auxilia e orienta as mulheres violentadas em todo o país.

Estima-se que, a cada dia, mais de 175 mil brasileiras sofram algum tipo de violência. Nessa estatística, estão apenas as mulheres que formalizaram sua denúncia através do Ligue 180. Isso significa que o número pode ser ainda maior. “É muito difícil fazer uma estimativa sobre o percentual de mulheres que não relatam casos ou não denunciam seus agressores”, explica a advogada Sandra Regina Viau, diretora de Defesa dos Direitos da Mulher de São Leopoldo. “A mulher leva tempo para tomar coragem e procurar ajuda”, diz Ângela Pereira da Silva, assistente social que trabalha no Centro Jacobina, em São Leopoldo.

Apesar da estatística invisível de mulheres que silenciam diante da agressão, há motivos para comemorar. O crescimento do número de denúncias, no último ano, pode estar relacionado ao maior conhecimento da Lei Maria da Penha, sancionada em 2006 (veja o quadro). A nova lei criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Desde então, o combate à violência ganhou forças em medidas mais rígidas. “A lei trouxe muita publicidade e, com isso, as mulheres têm buscado mais informações’’, diz Sandra. “O nível de conscientização das pessoas também aumentou”, acredita Ângela.

As duas colegas coordenam, junto com uma equipe multidisciplinar, as atividades do Centro Jacobina — Atendimento e Apoio à Mulher. O espaço é referência para os demais municípios da região metropolitana de Porto Alegre. Criado em 2006 para atender mulheres que sofrem violência física, psicológica, patrimonial, moral e sexual, o centro de referência presta serviço de acolhimento e apoio à mulher em situação de violência. O local conta com atendimento psicossocial e orientação jurídica e atua em parceria com outros órgãos municipais. Sandra Viau explica que o Centro Jacobina não deve ser confundido com delegacia de polícia. “A denúncia da violência só possui caráter legal e efetivo quando for feita nas delegacias”, observa.
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Muitas mulheres, entretanto, sentem vergonha ou têm medo de recorrer a uma delegacia comum para denunciar os abusos que sofrem. Para contornar esse problema, foram criadas as Delegacias de Polícia de Defesa dos Direitos da Mulher (DDMs). Em Porto Alegre, há uma unidade especializada, que registra cerca de 40 ocorrências por dia. Desse total, ameaça e injúria (ofensa moral) são as principais queixas, seguidas de lesão corporal. Algumas mulheres ainda preferem encobrir o agressor. “Aqui, 90% das denúncias vêm de vítimas pobres. Mulheres de maior poder aquisitivo raramente denunciam o parceiro violento”, diz Nadine Anflor, delegada titular da Delegacia de Polícia para a Mulher da Capital.

Luta que se transforma em lei
A biofarmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes protagonizou um caso simbólico de violência doméstica. Em 1983, seu marido, o professor universitário Marco Antonio Herredia, tentou matá-la duas vezes. Na primeira, deu-lhe um tiro, deixando-a paraplégica. Depois tentou eletrocutá-la. Na ocasião, ela tinha 38 anos e três filhas pequenas. Maria da Penha transformou sua dor em luta. Deu nome à famosa lei, aprovada pelo presidente Lula no dia 7 de agosto de 2006. E Herredia? Só foi preso em 2002, mas já está em liberdade.
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(Continua amanhã.)

sexta-feira, 10 de abril de 2009

A tal da paixão insaciável

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O amor que machuca. A primeira reportagem da minha incipiente carreira jornalística acaba de ficar pronta. Ela trata de um tema deveras delicado: a violência doméstica contra mulheres. Depois de três semanas em busca de fontes, informações, dados estatísticos, números e entrevistas, pude finalmente sentar para escrever. A reportagem começou a tomar forma real no domingo último (5), quando então passei doze horas diante da tela do computador. Desliguei o celular, fechei a janela do Orkut e tampouco abri o MSN. Alienei-me do mundo. Só saía da minha workstation para comer ou ir ao banheiro. Perdi a noção do tempo. Quando me dei conta, já passava da 1h da madrugada. E ainda faltava confirmar alguns dados com as fontes e ― pior ainda ― diagramar a matéria no PageMaker, software de editoração eletrônica.

Não sei quanto aos outros colegas, mas no momento em que me presto para realizar uma atividade como essa, dificilmente me deixo distrair. Vou até o fim, nem que eu acabe me transformando num ermitão vitimado de inanição. Evito perder a concentração e o foco central das minhas ideias. Não acho que escrever seja fácil; é uma tarefa arduamente prazerosa e deliciosamente dolorosa, especialmente porque somos levados a editar o próprio texto para que ele caiba em um número determinado de caracteres. Cortar dói, mas é imprescindível para se conseguir um bom ― e agradável ― texto. É a essência do jornalismo, eu diria. Tudo precisa se encaixar numa única página sem sobrar nem faltar. E, ainda por cima, o resultado final deve ser criativo e convidativo à leitura. É duro.

Alguns contatos através dos quais obtive preciosos dados foram estabelecidos pelo telefone. Logo no primeiro dia de tentativas, consegui falar com Maria Helena Gonzalez, coordenadora da Coordenadoria Estadual da Mulher (CEM) do gabinete da governadora Yeda Crusius. Chegar até ela, no entanto, me custou alguns (vários) telefonemas. Nada como o famoso QI (Quem Indica), nesses casos. E um pouco de cara de pau também. A primeira entrevista presencial, no entanto, só ocorreu na última semana antes do deadline, marcado para o dia 8 de abril. Eu já estava angustiado. Pensava que, faltando menos de uma semana para entregar a reportagem, eu não teria tempo suficiente de organizar as ideias no papel.

Para piorar ainda mais, cheguei elegantemente atrasado (só 15 minutos, meu Deus do Céu!) e as entrevistadas já estavam a minha espera: uma advogada, uma psicóloga e uma assistente social. Eram 11h30min de uma quinta-feira barbaramente ensolarada. Não havia mentido, mas omitira que era estudante de jornalismo. Nos primeiros contatos pelo telefone, havia dito que realizava uma reportagem para a Unisinos e que gostaria de conversar a respeito do trabalho por elas desenvolvido no Centro Jacobina, o centro de referência que presta serviço de acolhimento e apoio à mulher em situação de violência doméstica, em São Leopoldo. O que significa dizer, talvez, que as três esperavam um cara alto, forte e másculo, munido de carro, gravador e câmera profissional. Um jornalista de verdade, já formado. E lá estava eu: 19 anos na cara, magro e imberbe, com um bloco de notas e uma caneta na mão. E um tíquete de ônibus. Cheio de dúvidas e perguntas, mas repleto de boa vontade e idealismo.

E então elas me olhavam, com surpresa e interesse. “Aceitas um café?”, pergunta a psicóloga. Eu, que nunca gostei de café, tomei duas xícaras. Pela informação, fazemos qualquer coisa. Ou quase tudo. A entrevista começou um tanto titubeante, mas foi ganhando força à medida que íamos nos descobrindo: elas a mim (ele não é tão verde quanto aparenta ser), eu a elas (as três não são, de fato, tão inacessíveis). E eis que o saldo daquilo que se tornou um bate-papo pode ser comprovado na reportagem.

Sem dúvida, o mais surpreendente foi estar sexta-feira (3) em casa e receber um inesperado telefonema. Meu humor andava em baixa ― estava levemente mergulhado numa letargia de fim de tarde e, para piorar, havia discutido com o André e desligado o celular na cara da minha santíssima mãe. “Senhor Roberto? Um minuto, por favor. A deputada Rosário está na linha.” COMO ASSIM?, pensei. Maria do Rosário? Mas... “Só um momento, preciso de papel.” Nem me dei conta de que estava na frente do computador. Me precipitei atrás de uma caneta, machucando o pé, e atendi o telefone. Até aquela altura do campeonato, pensava que minha tentativa de agendar uma entrevista com a deputada não surtiria o devido efeito. “Dificilmente ela vai te dar alguma atenção”, desencorajavam-me alguns ao longo daquela semana. Que nada. “Alô, Roberto!”, saudou Rosário. E ficamos dez minutos ao telefone. (A deputada gaúcha Maria do Rosário é especialista em estudos sobre violência doméstica pela Universidade de São Paulo. Uma autoridade no assunto, ainda mais por ser mulher.)

De uma pauta elaborada no dia 18 de março, quando a ideia parecia intangível, até a impressão final da matéria. Uma experiência única e intransferível. Mais do que escrever 7 mil caracteres, o maior desafio foi encarar o tema da reportagem com uma postura que não soasse como frieza pelo distanciamento daquela realidade, mas que tampouco fizesse com que me apropriasse intensamente do drama vivido pelas protagonistas de uma história chamada O amor que machuca. Era preciso encontrar o equilíbrio dentro do texto. Ser sensível sem deixar de ser factual.

Como disse minha mãe, durante uma conversa na sacada do nosso apartamento: esse é um momento histórico para mim. Senti, mais uma vez, aquilo que o escritor colombiano Gabriel García Márquez define como a “paixão insaciável” pelo jornalismo. “Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, (...) não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre.”

O resultado disso tudo você confere amanhã, aqui mesmo, no Caçadores de Falavras. O segredo: a reportagem passa dos 7 mil caracteres sugeridos pelo professor. Mas isso fica entre nós. Por enquanto.