sábado, 11 de abril de 2009

O amor que machuca

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A cada 15 segundos, uma mulher é espancada no Brasil. O mais assustador é que elas são agredidas dentro de casa, pelos próprios companheiros. Muitas delas optam pelo silêncio e não denunciam seus agressores. Outras, no entanto, tomam coragem — muitas vezes motivadas por seus familiares e amigos — e resolvem dar um ponto final às histórias de violência doméstica.
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Na manhã de 8 de fevereiro, a cantora americana Rihanna cancelou sua apresentação na 51ª cerimônia do Grammy Awards, em Los Angeles, nos Estados Unidos, marcada para acontecer naquela noite. Motivo: Rihanna havia sido agredida pelo namorado, o rapper americano Chris Brown. Depois de pagar uma fiança de US$ 50 mil, Brown foi liberado pela Polícia. Ele deve comparecer a uma audiência neste mês — e pode ser condenado a até 5 anos de prisão por violência doméstica, crime considerado hediondo nos Estados Unidos.

Casos como esse chamam a atenção porque remetem a todas as mulheres (famosas ou anônimas) que são vítimas do flagelo da agressão — física, sexual ou psicológica — por parte de seus companheiros. Algumas delas, como Rihanna, rompem o silêncio e tentam sair do ciclo de violência a que estão submetidas. Outras, porém, preferem esconder um olho roxo a denunciar o agressor.

No Brasil, no ano de 2008, foram registrados 254 mil relatos de agressões contra mulheres, segundo dados da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), órgão ligado ao governo federal. Os números crescem em comparação com anos anteriores. As ligações para a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) tiveram um aumento de 32% em relação a 2007. O serviço, criado pela SPM, funciona como um disque-denúncia que auxilia e orienta as mulheres violentadas em todo o país.

Estima-se que, a cada dia, mais de 175 mil brasileiras sofram algum tipo de violência. Nessa estatística, estão apenas as mulheres que formalizaram sua denúncia através do Ligue 180. Isso significa que o número pode ser ainda maior. “É muito difícil fazer uma estimativa sobre o percentual de mulheres que não relatam casos ou não denunciam seus agressores”, explica a advogada Sandra Regina Viau, diretora de Defesa dos Direitos da Mulher de São Leopoldo. “A mulher leva tempo para tomar coragem e procurar ajuda”, diz Ângela Pereira da Silva, assistente social que trabalha no Centro Jacobina, em São Leopoldo.

Apesar da estatística invisível de mulheres que silenciam diante da agressão, há motivos para comemorar. O crescimento do número de denúncias, no último ano, pode estar relacionado ao maior conhecimento da Lei Maria da Penha, sancionada em 2006 (veja o quadro). A nova lei criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Desde então, o combate à violência ganhou forças em medidas mais rígidas. “A lei trouxe muita publicidade e, com isso, as mulheres têm buscado mais informações’’, diz Sandra. “O nível de conscientização das pessoas também aumentou”, acredita Ângela.

As duas colegas coordenam, junto com uma equipe multidisciplinar, as atividades do Centro Jacobina — Atendimento e Apoio à Mulher. O espaço é referência para os demais municípios da região metropolitana de Porto Alegre. Criado em 2006 para atender mulheres que sofrem violência física, psicológica, patrimonial, moral e sexual, o centro de referência presta serviço de acolhimento e apoio à mulher em situação de violência. O local conta com atendimento psicossocial e orientação jurídica e atua em parceria com outros órgãos municipais. Sandra Viau explica que o Centro Jacobina não deve ser confundido com delegacia de polícia. “A denúncia da violência só possui caráter legal e efetivo quando for feita nas delegacias”, observa.
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Muitas mulheres, entretanto, sentem vergonha ou têm medo de recorrer a uma delegacia comum para denunciar os abusos que sofrem. Para contornar esse problema, foram criadas as Delegacias de Polícia de Defesa dos Direitos da Mulher (DDMs). Em Porto Alegre, há uma unidade especializada, que registra cerca de 40 ocorrências por dia. Desse total, ameaça e injúria (ofensa moral) são as principais queixas, seguidas de lesão corporal. Algumas mulheres ainda preferem encobrir o agressor. “Aqui, 90% das denúncias vêm de vítimas pobres. Mulheres de maior poder aquisitivo raramente denunciam o parceiro violento”, diz Nadine Anflor, delegada titular da Delegacia de Polícia para a Mulher da Capital.

Luta que se transforma em lei
A biofarmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes protagonizou um caso simbólico de violência doméstica. Em 1983, seu marido, o professor universitário Marco Antonio Herredia, tentou matá-la duas vezes. Na primeira, deu-lhe um tiro, deixando-a paraplégica. Depois tentou eletrocutá-la. Na ocasião, ela tinha 38 anos e três filhas pequenas. Maria da Penha transformou sua dor em luta. Deu nome à famosa lei, aprovada pelo presidente Lula no dia 7 de agosto de 2006. E Herredia? Só foi preso em 2002, mas já está em liberdade.
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(Continua amanhã.)

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