sexta-feira, 10 de abril de 2009

A tal da paixão insaciável

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O amor que machuca. A primeira reportagem da minha incipiente carreira jornalística acaba de ficar pronta. Ela trata de um tema deveras delicado: a violência doméstica contra mulheres. Depois de três semanas em busca de fontes, informações, dados estatísticos, números e entrevistas, pude finalmente sentar para escrever. A reportagem começou a tomar forma real no domingo último (5), quando então passei doze horas diante da tela do computador. Desliguei o celular, fechei a janela do Orkut e tampouco abri o MSN. Alienei-me do mundo. Só saía da minha workstation para comer ou ir ao banheiro. Perdi a noção do tempo. Quando me dei conta, já passava da 1h da madrugada. E ainda faltava confirmar alguns dados com as fontes e ― pior ainda ― diagramar a matéria no PageMaker, software de editoração eletrônica.

Não sei quanto aos outros colegas, mas no momento em que me presto para realizar uma atividade como essa, dificilmente me deixo distrair. Vou até o fim, nem que eu acabe me transformando num ermitão vitimado de inanição. Evito perder a concentração e o foco central das minhas ideias. Não acho que escrever seja fácil; é uma tarefa arduamente prazerosa e deliciosamente dolorosa, especialmente porque somos levados a editar o próprio texto para que ele caiba em um número determinado de caracteres. Cortar dói, mas é imprescindível para se conseguir um bom ― e agradável ― texto. É a essência do jornalismo, eu diria. Tudo precisa se encaixar numa única página sem sobrar nem faltar. E, ainda por cima, o resultado final deve ser criativo e convidativo à leitura. É duro.

Alguns contatos através dos quais obtive preciosos dados foram estabelecidos pelo telefone. Logo no primeiro dia de tentativas, consegui falar com Maria Helena Gonzalez, coordenadora da Coordenadoria Estadual da Mulher (CEM) do gabinete da governadora Yeda Crusius. Chegar até ela, no entanto, me custou alguns (vários) telefonemas. Nada como o famoso QI (Quem Indica), nesses casos. E um pouco de cara de pau também. A primeira entrevista presencial, no entanto, só ocorreu na última semana antes do deadline, marcado para o dia 8 de abril. Eu já estava angustiado. Pensava que, faltando menos de uma semana para entregar a reportagem, eu não teria tempo suficiente de organizar as ideias no papel.

Para piorar ainda mais, cheguei elegantemente atrasado (só 15 minutos, meu Deus do Céu!) e as entrevistadas já estavam a minha espera: uma advogada, uma psicóloga e uma assistente social. Eram 11h30min de uma quinta-feira barbaramente ensolarada. Não havia mentido, mas omitira que era estudante de jornalismo. Nos primeiros contatos pelo telefone, havia dito que realizava uma reportagem para a Unisinos e que gostaria de conversar a respeito do trabalho por elas desenvolvido no Centro Jacobina, o centro de referência que presta serviço de acolhimento e apoio à mulher em situação de violência doméstica, em São Leopoldo. O que significa dizer, talvez, que as três esperavam um cara alto, forte e másculo, munido de carro, gravador e câmera profissional. Um jornalista de verdade, já formado. E lá estava eu: 19 anos na cara, magro e imberbe, com um bloco de notas e uma caneta na mão. E um tíquete de ônibus. Cheio de dúvidas e perguntas, mas repleto de boa vontade e idealismo.

E então elas me olhavam, com surpresa e interesse. “Aceitas um café?”, pergunta a psicóloga. Eu, que nunca gostei de café, tomei duas xícaras. Pela informação, fazemos qualquer coisa. Ou quase tudo. A entrevista começou um tanto titubeante, mas foi ganhando força à medida que íamos nos descobrindo: elas a mim (ele não é tão verde quanto aparenta ser), eu a elas (as três não são, de fato, tão inacessíveis). E eis que o saldo daquilo que se tornou um bate-papo pode ser comprovado na reportagem.

Sem dúvida, o mais surpreendente foi estar sexta-feira (3) em casa e receber um inesperado telefonema. Meu humor andava em baixa ― estava levemente mergulhado numa letargia de fim de tarde e, para piorar, havia discutido com o André e desligado o celular na cara da minha santíssima mãe. “Senhor Roberto? Um minuto, por favor. A deputada Rosário está na linha.” COMO ASSIM?, pensei. Maria do Rosário? Mas... “Só um momento, preciso de papel.” Nem me dei conta de que estava na frente do computador. Me precipitei atrás de uma caneta, machucando o pé, e atendi o telefone. Até aquela altura do campeonato, pensava que minha tentativa de agendar uma entrevista com a deputada não surtiria o devido efeito. “Dificilmente ela vai te dar alguma atenção”, desencorajavam-me alguns ao longo daquela semana. Que nada. “Alô, Roberto!”, saudou Rosário. E ficamos dez minutos ao telefone. (A deputada gaúcha Maria do Rosário é especialista em estudos sobre violência doméstica pela Universidade de São Paulo. Uma autoridade no assunto, ainda mais por ser mulher.)

De uma pauta elaborada no dia 18 de março, quando a ideia parecia intangível, até a impressão final da matéria. Uma experiência única e intransferível. Mais do que escrever 7 mil caracteres, o maior desafio foi encarar o tema da reportagem com uma postura que não soasse como frieza pelo distanciamento daquela realidade, mas que tampouco fizesse com que me apropriasse intensamente do drama vivido pelas protagonistas de uma história chamada O amor que machuca. Era preciso encontrar o equilíbrio dentro do texto. Ser sensível sem deixar de ser factual.

Como disse minha mãe, durante uma conversa na sacada do nosso apartamento: esse é um momento histórico para mim. Senti, mais uma vez, aquilo que o escritor colombiano Gabriel García Márquez define como a “paixão insaciável” pelo jornalismo. “Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, (...) não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre.”

O resultado disso tudo você confere amanhã, aqui mesmo, no Caçadores de Falavras. O segredo: a reportagem passa dos 7 mil caracteres sugeridos pelo professor. Mas isso fica entre nós. Por enquanto.

Um comentário:

  1. "E lá estava eu: 19 anos na cara, magro e imberbe, com um bloco de notas e uma caneta na mão. E um tíquete de ônibus. Cheio de dúvidas e perguntas, mas repleto de boa vontade e idealismo."

    É isso mesmo. A gente começa assim. E não tenho dúvidas de que a verdadeira essência do jornalista seja essa. Parabéns pela iniciativa! Mal posso esperar para ler a reportagem.

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