sexta-feira, 22 de maio de 2009

La voix de la France


Quem nunca ouviu aquela canção de Jacques Brel que ganhou versões em inglês, alemão, espanhol e até holandês? Lançada em 1959 pela Warner-Chappell, Ne me quitte pas foi gravada e regravada centenas de vezes por diversos cantores, estrangeiros e nacionais, como Nina Simone e Maysa Monjardim. Tocou em novelas e minisséries, como Presença de Anita, exibida pela TV Globo, e embalou corações apaixonados e partidos. Segundo Brel, a canção não fala do amor, mas sobre a covardia dos homens. Ela foi escrita em decorrer da separação do cantor e de Suzanne Gabriello.

Na mesma sintonia musical está Charles Aznavour. Célebre por seu timbre de voz e seu carisma, o cantor compôs cerca de 850 canções e já vendeu mais de 100 milhões de discos. Fez também shows em dezenas de países, incluindo o Brasil. Em 2008, esteve em Porto Alegre, em uma turnê de despedida. Frequentemente descrito como o “Frank Sinatra da França”, Aznavour canta principalmente o amor. É o que ouvimos em Tous les visages de l’amour, lançada em 1974.

Quem está por trás do sucesso de Charles Aznavour, porém, é a notável cantora Édith Piaf. Depois de ouvi-lo cantar, Piaf levou o jovem Aznavour em sua turnê pelos Estados Unidos, no ano de 1951. Os dois se tornaram muito próximos e chegaram a ter um breve romance. Em sua música, Piaf expressava claramente sua trágica história de vida. Abandonada pela mãe ainda pequena, foi criada pela avó, que trabalhava em um cabaré. Aos 19 anos, Piaf perdeu sua única filha. Aos 46, com a saúde abalada pelos excessos e pelo vício em morfina, a voz de Édith Piaf calou-se. Mas ficou eternizada no mundo inteiro. É o que prova a canção Non, je ne regrette rien, composta por Charles Dumont e interpretada pela diva.

Mas não é só de paixões, sofrimentos e desilusões amorosas que a chanson française trata. Yelle, a mais nova sensação da música eletrônica, é a prova disso. Foi com o tom debochado do refrão de Je veux te voir que a jovem de 26 anos conquistou seus primeiros fãs — tudo através do MySpace. A cantora alcançou definitivamente as paradas de sucesso quando apresentou o hit À cause des garçons, em 2008. A música logo se tornou hino dos adeptos da Tecktonik, uma dança criada por jovens parisienses. Mas não se engane: o single é, na realidade, a regravação de uma canção homônima do À caus’ des garçons, um obscuro duo oitentista composto por Laurence Heller e Hélène Bérard. Com estilo irreverente e colorido — mesclado a uma voz aguda e nervosa —, Yelle é referência para a garotada atenta às ultimas novidades do electropop.

E quem disse que francês não gosta de rock? O grupo Noir Désir está há 24 anos na estrada para mostrar que a França não se resume a Piaf e Aznavour. É o conjunto de rock mais popular da França nos últimos anos. Os quatro rapazes — Bertrand Cantat, Serge Teyssot-Gay, Denis Barthe e Jean-Paul Roy — já lançaram 12 álbuns. Noir Désir atraiu primeiro as atenções do público com o single Aux sombres héros de l’amer, que se tornou sucesso nas rádios francesas. A canção é uma homenagem aos “sombrios heróis do mar”, que “atravessam os oceanos da vida”. Em outras palavras, a letra versa sobre o vazio existencial e a solidão em alto mar.

Apesar de ter nascido em Turim, na Itália, Carla Bruni é outra grande referência para a cena musical francesa. Depois de uma carreira como modelo, trocou as passarelas pelo canto. Lançou três discos. O mais recente deles, Comme si de rien n’était (Como se nada tivesse acontecido), é uma clara ironia em relação à comoção internacional que seu casamento gerou. Carla é casada com ninguém menos do que o presidente da França, Nicolas Sarkozy. Aqui no Brasil ela ficou conhecida depois de ter uma música — Quelqu’un m’a dit — incluída na trilha sonora da novela Belíssima, exibida pela TV Globo em 2006. A empresa farmacêutica Pfizer também não resistiu aos encantos da belle. Em 2007, escolheu L’amour como música tema de um comercial.

Assim como Carla Bruni, mas sem sua superexposição, a cantora Camille é uma voz em evidência na cena musical francesa. Ela é mais ousada e experimental do que a da primeira-dama, até demais para ouvidos acostumados ao pop tradicional. A cantora faz parte de uma nova geração de músicos, chamada pela crítica especializada de nouvelle scène française. Dona de apresentações performáticas e interativas, Camille acredita que a voz não é o limite para a música. Nas suas canções, ela extrai sons percussivos de seu próprio corpo. É o que se percebe em Ta douleurAssise e Au Port, recheadas de grande lirismo cômico em suas letras.

Camille, Yelle e Carla Bruni. Serão elas as novas Édith Piafs da era da internet e da música por download? De todos os cantores clássicos apresentados nesta reportagem, apenas Charles Aznavour ainda está vivo. Talvez ele seja o último de sua geração. Mas isto não significa que ele perderá seu valor. A música francesa vem se renovando, sim, mas jamais deixará de prestar a devida homenagem àqueles que levaram a língua e a cultura da França pela frequência sonora das rádios, no mundo inteiro.

Um comentário:

  1. Oi, Roberto...
    Lindo post para embalar este início de final de semana!
    Vou procurar ouvir mais estas novas vozes francesas, as antigas, eu já adorava mesmo antes de estudar Francês.
    Bjs

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