terça-feira, 14 de abril de 2009

O silêncio que deixa feridas

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Mais alarmante do que as agressões denunciadas é saber que existem casos que não são de conhecimento da Justiça. Muitas mulheres, sob pressão de uma sociedade patriarcal, que valoriza o homem em detrimento da mulher, têm receio de entregar seu parceiro à Polícia. Consideram que tal atitude desestruturaria suas famílias em decorrência de uma iminente separação. “É uma questão cultural”, acredita a deputada gaúcha Maria do Rosário, especialista em estudos sobre violência doméstica pela Universidade de São Paulo (USP).

Apesar das conquistas feministas no último século, o divórcio ainda é visto com maus olhos. “A insegurança de se criar um filho sem pai e a total falta de opção por outra forma de vida falam mais alto do que tomar a iniciativa de ir embora”, argumenta a ex-delegada Teresinha de Carvalho. Para Rosário, trata-se da inversão do ditado popular. “Antes mal-acompanhada do que só”, avalia. A religião também exerce influência sobre suas decisões. “A frase ‘até que a morte os separe’ é um dogma inquestionável para várias mulheres”, completa Ângela.

Sentimentos muito pessoais e característicos das mulheres as impedem de tomar uma atitude. “A dependência emocional é muito forte. Elas não se reconhecem sem o parceiro”, afirma a psicóloga Érica, que trabalha no Centro Jacobina. Mesmo agredidas, o amor que nutrem pelos companheiros fala mais alto. Muitas chegam até os centros de referência e pedem para que o agressor não sofra nenhuma penalidade. “Não querem prejudicá-lo”, diz Sandra. Outras temem a perseguição do marido depois de uma possível denúncia policial.

A supremacia masculina no aspecto econômico é outro fator que contribui para calar a voz da mulher. O poder financeiro do homem torna-se uma ameaça à companheira que, em geral, não tem dinheiro para contratar um advogado. Mulheres de maior renda livram os maridos para preservar o status social. “Vergonha é o que as mantêm nesse círculo de agressões”, resume Sandra.

Além disso, a grande maioria das mulheres desconhece seus próprios direitos e intimida-se com a simples ameaça de o companheiro tomar-lhe os filhos caso procure a Polícia. “Quando não sabem que são portadoras de direitos, não buscam auxílio”, diz Ângela.

Não são poucos — nem simples — os motivos para explicar esse doloroso silêncio. Educada para ser subserviente, boa parte das mulheres se sente inferior ao homem e, em casos de violência doméstica, se anula em nome do agressor. Embora saiba os riscos que corre ao não denunciá-lo, ela procura subterfúgios para amenizar a dor. “Ele me bate, mas é honesto”, dizem algumas vítimas atendidas pelo centro de referência. Ao agir assim, as mulheres acabam cúmplices da dominação masculina, favorecendo a violência psicológica e física.
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“A decisão de denunciar é da vítima. É ela que decide o que pretende fazer de sua vida. Nosso trabalho é dar apoio, fortalecer sua identidade e informá-la dos caminhos legais a percorrer”, explica Sandra. “É importante que, ao denunciar, ela vá até o fim”, conclui. É preciso quebrar o silêncio.
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Delegacias da Mulher
A primeira delas surgiu no centro da capital paulista no ano de 1985. Desde então as DDMs se espalharam pelo país. No Brasil existem aproximadamente 340 unidades especializadas. No Rio Grande do Sul, elas estão presentes em 10 municípios. A próxima está para ser inaugurada, ainda este mês, em Erechim.
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(Termina amanhã.)

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